NefroConnect - Finerenona: terapêutica modificadora de prognóstico na doença cardiorrenal

No âmbito do Congresso Anual da European Society of Cardiology (ESC) 2023, o simpósio satélite patrocinado pela Bayer intitulado “Finerenona: a disease-modifying therapy for heart and kidney protection”, esteve sob a moderação do Dr. Mikhail Kosiborod, da Universidade do Missouri (EUA). O painel de palestrantes foi composto pelo Prof. Doutor Faiez Zannad, da Universidade de Lorraine, França, do Dr. George Bakris, da Universidade de Chicago (EUA), a Dr.ª Katharina Schutt, do Hospital Universitário RWTH Aachen, Alemanha, e o Dr. Adriaan Voors, da Universidade Médica de Groningen, Países Baixos. “A finerenona é um antagonista seletivo e não esteroide dos recetores da aldosterona, submetido a um extenso programa de desenvolvimento clínico que começou em 2015 com o objetivo inicial de tratar a doença renal crónica na diabetes, estando atualmente a ser investigado o seu uso alargado a doenças cardíacas, como a insuficiência cardíaca, e doenças renais”, introduziu o Dr. Mikhail Kosiborod. Enquadramento comum da doença cardíaca crónica e doença renal “Quando falamos da patologia cardíaca e renal, referimo-nos a uma única entidade: a patologia cardiorrenal. A maioria das doenças, em particular a insuficiência cardíaca, tem uma afetação renal e, por essa razão, é também designada doença cardiorrenal crónica”, começou por contextualizar o Prof. Doutor Faiez Zannad, no início da sua intervenção. Adicionalmente, a insuficiência cardíaca e a doença renal crónica “partilham os mesmos fatores de risco, os mesmos mecanismos fisiopatológicos, e os sintomas de ambas as patologias manifestam-se simultaneamente”, acrescenta. Por esse motivo, as terapêuticas usadas para tratar uma das patologias, como os antagonistas não esteroides dos recetores da aldosterona, “também têm benefício no tratamento da outra”. A corroborar esta relação estão os dados que indicam uma elevada prevalência da doença renal crónica na insuficiência cardíaca e vice-versa, “o que não deve surpreender, já que se trata da mesma entidade”. Neste contexto, o especialista salientou “a importância do diagnóstico e rastreio precoce da doença renal crónica porque os doentes nos estadios iniciais desta doença já se encontram em elevado risco cardiovascular”. Quanto ao rastreio da doença renal crónica na presença de insuficiência cardíaca, o especialista recomendou “o uso da albuminúria como biomarcador de risco cardiorrenal por implicar dano endotelial e dano tubular, multimorbilidade e um estado inflamatório, que favorece o desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Por outro lado, acrescentou, “há inúmeros estudos a associar a presença de albuminúria com o risco aumentado de insuficiência cardíaca, como os estudos MESA e ARIC, e com progressão de insuficiência cardíaca, como os estudos SOLVD, GISSI-HF e CHARM”. Em seguida, citou as guidelines da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), da American Diabetes Association (ADA) para a gestão da doença renal crónica na diabetes tipo 2, segundo a qual estão recomendadas três classes farmacológicas para reduzir o risco cardiovascular, insuficiência cardíaca e doença renal: os RAASI, os inibidores SGLT2 e os antagonistas não esteroides dos recetores da aldosterona. “Nos doentes com doença renal crónica e diabetes, a finerenona tem recomendação I nas guidelines da ESC para reduzir o risco de hospitalização por insuficiência cardíaca”, precisou. Por fim, resumiu a sua intervenção nas seguintes mensagens: A doença renal crónica e insuficiência cardíaca partilham os mesmos fatores de risco e mecanismos fisiopatológicos com a presença de multimorbilidade a constituir com um problema de saúde major; A albuminúria, indicada pelo rácio albumina/creatinina (RAC), é um importante preditor de eventos renais e cardiovasculares incluindo insuficiência cardíaca; Para reduzir o risco de doença cardiovascular, insuficiência cardíaca e deterioração renal nos doentes com doença renal crónica e diabetes tipo 2, é recomendado o uso de iSGLT2, RASI e finerenona. Proving kidney disease reduced CV outcomes with finerenone: from clinical trial to clinical practice “A sobreativação dos recetores da aldosterona, provocada por hiperglicemia, stress oxidativo e excesso de consumo de sal contribui para um estado inflamatório e fibrose, fatores hemodinâmicos e fatores metabólicos, sendo um motor de doenças cardíacas e renais”, enquadrou o Dr. George Bakris ao tomar a palavra. “A forma de evitar esta cascata de reações é através do bloqueio dos recetores de aldosterona que desempenha um papel chave, sobretudo nas pessoas com obesidade, em relação a eventos cardiorrenais”, esclareceu o cardiologista. Por outro lado, “os antagonistas esteroides dos recetores da aldostesterona bloqueiam a sobreatiavção dos recetores da aldosterona, o que atrasa a progressão da patologia cardiorrenal”, prosseguiu. Porém, a finerenona “é uma molécula de maior dimensão que a espironolactona, com seletividade para o recetor da aldosterona, levando à expressão de genes diferentes”, frisou, acrescentando que “a finerenona não comporta o mesmo risco de hipercaliemia e efeitos adversos sexuais associados à espironolactona, mas possui benefícios anti-inflamatórios e anti-fibróticos adicionais aos conferidos pelos inibidores SGLT2 e RAASi e uma semi-vida muito mais curta (2-3 horas versus 20 horas)”. Quanto ao programa de desenvolvimento clínico, o especialista destacou os ensaios de fase III FIDELIO-DKD e FIGARO-DKD que investigaram os efeitos da finerenona nos outcomes cardiorrenais versus placebo em mais de 13000 doentes com diabetes tipo 2 e doença renal crónica. “Estes estudos permitiram a análise agrupada pré-especificada FIDELITY que incluiu endpoints cardiorrenais”. Segundo o Dr. George Bakris, “os resultados foram todos positivos a favor da finerenona, destacando-se uma redução marcada no risco de hospitalização e uma redução de 27% na progressão da doença renal para diálise.” “Em relação ao perfil de segurança, a finerenona apresenta incidência comparável dos efeitos adversos e aumento do risco de hipercaliemia versus placebo, mas com impacto clínico mínimo. Na sequência destes achados, a finerenona tem recomendação IA nas guidelines da ADA para o tratamento de doentes com doença renal e diabetes tipo 2 e, recentemente as guidelines da ESC de 2023 também recomendam a finerenona para a redução do risco cardiovascular e reduzir o risco de insuficiência renal”. Ao terminar, o especialista reiterou que “a insuficiência renal, sobretudo quando TFGe <45 ml/min/1,73m² é um fator de risco cardiovascular major e a albuminúria é um indicador de progressão da IC.” Dando seguimento à mensagem da apresentação anterior a Dr.ª Katharina Schutt recomendou, citando as guidelines da ESC, o rastreio da doença renal com avaliação periódica da TFGe e do RAC. Partilhou um exemplo prático com a apresentação do seguinte caso clínico, destacando os seguintes dados: Mulher de 67 anos com e ICFEp; Diabetes tipo 2 há seis anos; BMI=32kg/m2; Doença renal recentemente diagnosticada; TFGe=62 ml/min/1,73m²; RAC=310mg/g; [K+]=4,3 mmol/l; Foi sujeita a tratamento diurético, anti-hipertensivo (incluindo iSGLT2) e controlo glicémico. Em seguida, a especialista procurou fundamentar a partir das evidências, a indicação de prescrever 20 mg de finerenona, uma vez por dia, para tratar a sua doença renal crónica da doente descrita no caso clínico. Citando os dados do estudo FIDELITY, a Dr.ª Katharina Schutt, referiu que a finerenona reduziu a RAC em 32% versus placebo desde a baseline até aos 4 meses. Adicionalmente, a finerenona reduziu o tempo até à primeira hospitalização em 22% e o risco de morte cardiovascular e primeira hospitalização por IC em 17%. Seguindo-se a partilha dos dados do estudo FIGARO-DKD, a especialista em Cardiologia mostrou que “a finerenona reduziu o risco de IC de início recente em 32% versus placebo, o que motivou a atualização da recomendação para o tratamento da IC e uma redução significativa na mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular versus placebo e ainda no risco de morte súbita na população intent-to-treat”. Para demonstrar o benefício adicional da finerenona, quando usada em combinação com os iSGLT2, a especialista voltou a elencar os achados da análise do estudo FIDELITY, segundo os quais, “a finerenona reduziu o risco de outcomes cardiovasculares compostos e hospitalização por IC, independentemente do uso de iSGLT2 na baseline”. Resumindo, a Dr.ª Katharina Schutt reforçou que “a finerenona demonstrou benefícios cardiorrenais consistentes e transversais a várias subpopulações, independentemente do uso de iSGLT2, da história de doenças cardiovasculares, do estadio da doença renal, do sexo, idade, peso, da pressão arterial, dos valores da HbA1 basais e pressão arterial basal”. A Dr.ª Katharina Schutt terminou anunciando uma “redução marcada no RAC em 32%, conforme previsto, à qual se somaram reduções significativas dos níveis de NTpro-BNP (500-500 pg/ml) e pressão arterial (138-142 mmHg) ao fim de quatro meses de follow-up” na doente apresentada no caso clínico, medicada com iSGLT2, RASi e finerenona (20 mg por dia). Investigação do potencial efeito dos antagonistas não esteroides dos recetores da aldosterona no tratamento dos doentes com IC “Todos estão familiarizados com as evidências robustas que sustentam os benefícios dos antagonistas esteroides dos recetores da aldosterona nos doentes com ICFEr, nomeadamente o estudo RALES e o EMPHASIS-HF que mostram benefícios destes fármacos nos outcomes cardiovasculares e na pressão arterial”, recordou o Dr. Adriaan Voors. Comentando o ensaio TOPCAT no qual foi avaliada a espironolactona em doentes com ICFEp, o especialista salientou que “não houve diferenças significativas versus placebo, nos outcomes cardiovasculares, incluindo mortalidade cardiovascular”. No entanto, verificaram-se “fortes evidências a suportar o uso dos antagonistas esteroides dos recetores da aldosterona nos doentes com ICFEr, refletindo-se nas guidelines com recomendação IA nestes doentes há menos evidências dos benefícios destes fármacos nos doentes com ICFE ligeiramente reduzida (ICFElr) e ICFEp”. Adicionalmente, “muitos doentes não recebem antagonistas esteroides dos recetores da aldosterona no tratamento da ICFEr e insuficiência renal, devido ao risco de hipercaliemia”, advertiu. Em suma, “a finerenona apresenta-se como uma alternativa viável, uma vez que é mais seletiva para o coração e rins versus espironolactona, conforme ficou patente no ensaio ARTS”. Este estudo “evidenciou menor incidência de insuficiência renal e hipercaliemia com finerenona versus espironolactona em doentes com ICFEr e doença renal crónica”. A estes, somam-se aos benefícios nos outcomes da IC, a destacar “uma redução de 22% no risco de hospitalização por IC, uma redução de 17% no risco de morte cardiovascular e primeira hospitalização por IC e ainda 32% de redução no risco de IC de início recente”, resumiu. De seguida, o palestrante indicou o ensaio FINEARTS-HF, que se encontra ainda em curso, “no qual doentes com IC e fração de ejeção do ventrículo esquerdo >40% receberam doses diferentes de finerenona em função da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) (dose máxima diária de 20 mg nos doentes com TFGe≤60 ml/min/1,73m2 e dose máxima de 40 mg nos doentes com TFGe>60 ml/min/1,73m2). O endpoint primário foi definido como a mortalidade cardiovascular e eventos relacionados com IC”. Em relação às caraterísticas dos doentes que participaram neste estudo, o especialista assinalou “uma porção elevada de doentes recentemente hospitalizados por IC e níveis elevados de NTpro-BNP, indicando um estadio mais grave da IC”. Por fim, o orador elencou as principais mensagens da sua intervenção: As opções farmacológicas disponíveis para tratar ICFEr/ ICFEr são atualmente limitadas; A finerenona, um antagonista dos recetores da aldosterona não esteroide, demonstrou elevada eficácia nos outcomes cardiorrenais em doentes com doença renal crónica e diabetes tipo 2; O ensaio FINEARTS-HF, que se encontra em curso, investiga a eficácia e segurança da finerenona em doentes com ICFEr/ ICFEr. Ao encerrar a sessão, o Dr. Mikhail Kosiborod fez menção ao programa de ensaios clínicos MOONRAKER que, segundo a sua previsão, “irá gerar dados adicionais sobre a finerenona em mais de 15000 doentes em diferentes settings que inclui os ensaios REDEFINE-HF, CONFIRMATION-HF, FINALITY-HF”.