NefroConnect - A Nefrologia e a inteligência artificial: o futuro da transplantação renal de dadores falecidos

A inteligência artificial tornou-se um aliado da Medicina e na Nefrologia não podia ser exceção. O Dr. Luís Rodrigues, nefrologista no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) e aluno de doutoramento da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), está a desenvolver uma nova ferramenta com base em inteligência artificial para otimizar o transplante renal de dadores falecidos. Com esta ferramenta, pretende-se “aumentar o conhecimento no campo da Medicina de Precisão e o número de órgãos transplantados e que possam usufruir da sobrevida e da qualidade de vida”. O NefroConnect entrevistou o especialista para conhecer este novo projeto. À primeira vista, pode parecer que uma ferramenta de inteligência artificial na Nefrologia e o jogo de xadrez não têm nada em comum, no entanto, foi isso que fascinou o Dr. Luís Rodrigues. O xadrez, considerado um desporto bastante complicado, “é infinitamente menos complexo do que uma imagem a interpretar na Medicina”. “Se as máquinas conseguiram ajudar-nos até a compreender o próprio jogo nesse campo, porque não estudar ferramentas semelhantes na área da Medicina?” Este projeto investigacional, realizado por uma equipa multidisciplinar em Portugal e nos Estados Unidos da América, no âmbito da sua tese de doutoramento, pretende “melhorar a classificação das biopsias dos dadores cadáver para transplante”. O especialista acredita que este “é um pequeno passo inicial” para se aprimorar a classificação das doenças crónicas do rim. Os dadores falecidos considerados atualmente para doação eram “impensáveis” há vários anos, no entanto, a evolução da Medicina e a escassez de órgãos obrigou os especialistas de Nefrologia a “ser mais inventivos” e utilizar dadores com mais idade e mais doença cardiovascular. Apesar disso, esta prática ainda apresenta várias debilitações. A biopsia renal pré-transplante dos doentes selecionados permite aferir a qualidade do órgão, através da análise visual do tecido. Contudo, este estudo é ainda “muito dependente do profissional que observa e não é suficientemente precisa”. A inteligência artificial vem, então, mudar o paradigma desta prática, com o apoio de algoritmos de reconhecimento de padrões de imagem para realizar uma observação mais pormenorizada e exaustiva das biopsias. Este processo permite decidir “de forma mais segura” a utilização do órgão e a quem é indicado, com o objetivo de otimizar a seleção e alocação de órgãos entre o dador e o recetor. O desenvolvimento desta nova ferramenta é o cerne da tese de doutoramento do especialista, no entanto, ainda se prevê muitos anos para a obtenção de uma aplicação final, tal como em todos os projetos de investigação, explica. O primeiro passo baseou-se na recolha de amostras clínicas e na posterior correlação clínica. Atualmente, a ferramenta com base em inteligência artificial já tem “componentes treinados e otimizados” capaz de reconhecer determinadas estruturas, mas “é um caminho que já se está a percorrer, mas que vai demorar o seu tempo a dar frutos”. Os resultados até então demonstrados são “muito entusiasmantes”, comprovando uma “boa correlação” entre o que o algoritmo e os especialistas reconhecem. São, portanto, “promissores”. Quando esta ferramenta estiver concluída, o especialista acredita que trará vários benefícios: “Esperamos utilizar mais órgãos e com melhor segurança, porque podemos estar a dar valor na biopsia renal a certas estruturas que realmente depois não têm impacto na sobrevida daquele órgão”, permitindo evitar um maior desperdício de órgãos. “Alocar melhor a sobrevida do órgão à sobrevida da pessoa é um pouco mais complexo”, mas é o principal objetivo dos especialistas. O processo investigacional já enfrentou alguns desafios, desde a recolha das amostras à sua preparação, bem como a escassez de recursos técnicos e humanos em laboratório. “O próprio treino do algoritmo é um grande desafio e, portanto, há várias pequenas etapas que temos de ultrapassar para chegar aos melhores resultados.” Por isso, “temos de ser inventivos para tentar encontrar soluções para colmatar as nossas necessidades”. O financiamento foi um desses fatores, no entanto, o especialista refere que a bolsa da Sociedade Portuguesa de Nefrologia lhes permitiu ter “muito ajuda na execução do projeto”. Apesar disso, “os recursos em Portugal e para a ciência não são muitos e é uma pena, porque temos excelentes profissionais na área e é um desperdício não lhes darmos os recursos de que necessitam para a investigação”. A investigação e a ferramenta estão longe de estarem terminadas, prevendo-se 5/10 anos para que exista aplicabilidade clínica, dependente dos reguladores em saúde e do seu parecer sobre a segurança e eficácia das ferramentas, e apenas 2/3 anos para se obter resultados práticos. Quando se une a tecnologia com a Medicina, numa primeira fase, requer-se sempre um validador humano para ser “muito bem testado”. Só posteriormente a esta fase é que se poderá avançar para o nível mais elevado. O especialista acredita que a inteligência artificial é um motor com “uma capacidade incansável e sistemática de rever conteúdos para encontrar as melhores soluções para cada doente”. Pode até sobrepor-se à capacidade humana na classificação das biopsias de forma mais precisa e eficaz. No futuro, espera-se padronizar este algoritmo para que uma biopsia de Portugal, por exemplo, possa ser lida pelo mesmo algoritmo numa biopsia que seja realizada noutro país.