NefroConnect - Uma doença “silenciosa e insidiosa” que se torna “pouco valorizada e até negligenciada”

“Portugal tem das mais elevadas taxa de incidência de diálise da Europa e a Global Burden of Disease prevê que a DRC será a 5.ª causa de morbilidade em 2040.” Quem o afirma é o Prof. Doutor Edgar Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, sobre a doença renal crónica não estar incorporada como opção estratégica no Plano Nacional de Saúde. Em entrevista, o especialista demonstra que “compete aos médicos reconhecer a doença renal, promover rastreios em populações de maior risco e promover medidas de nefroproteção”. NefroConnect (NC) | Apesar de já estarem presentes, muitos profissionais de saúde não dão o devido valor às alterações na composição da urina. Que alterações são essas que os especialistas devem estar atentos? Prof. Doutor Edgar Almeida (EA) | Há várias alterações na composição da urina que podem indicar doença renal. No entanto, a presença de proteínas na urina (geralmente apresentada de forma semi-quantitativa no exame sumário de urina, em cruzes) é um indicador que, quando confirmado, significa que algo se passa na estrutura do rim. NC | Qual é a importância do diagnóstico precoce? EA | A doença renal crónica tem, habitualmente, uma evolução insidiosa, silenciosa, mas progressiva. Quando se torna mais visível (isto é, quando o filtrado glomerular começa a diminuir), torna-se mais difícil impedir a sua evolução. Se for possível detetar precocemente, nas fases em que se manifesta por albuminúria (o que acontece em algumas doenças, como na diabetes tipo 2), temos alguns fármacos que devem ser prescritos, porque sabemos que pode modificar a evolução para as fases mais avançadas da doença renal crónica. Por isso, é importante não desvalorizar a albuminúria. NC | Esta deteção precoce pode permitir introduzir medidas para retardar o aparecimento de lesões renais mais graves. Que medidas são essas? EA | As pessoas com doença renal crónica (DRC), mesmo nas fases iniciais, devem ser informadas dos riscos – o risco de progressão para as fases mais avançadas da DRC e o risco de eventos cardiovasculares. Depois, devem ser aconselhadas medidas dietéticas (por exemplo, dieta hipossalina) e comportamentais (por exemplo, evicção tabágica, exercício físico) e fármacos que visam o controlo da pressão arterial (os que bloqueiam o sistema renina-angiotensina-aldosterona), a diabetes, etc. Recentemente, um novo grupo de fármacos – os inibidores do SGLT2 – tornaram-se imprescindíveis nesta estratégia terapêutica e, em breve, também os agonistas dos receptores mineralocorticóides. NC | A ausência da abordagem da doença renal crónica no Plano Nacional de Saúde pode ser um fator para diminuir esta preocupação dos profissionais de saúde? EA | Não incluir a DRC como opção estratégica no PNS é incompreensível por várias razões: Portugal tem das mais elevadas taxa de incidência de diálise da Europa e “A Global Burden of Disease” prevê que a DRC será a 5.ª causa de morbilidade em 2040, ascendendo da sua posição atual (18.º lugar). Isto significa que urge dar importância às estratégias de controlo da DRC. A Sociedade Portuguesa de Nefrologia, em tempo oportuno, manifestou este desagrado, quando o documento se encontrava em consulta pública. Espero que venhamos a ser ouvidos antes do documento final. NC | Foi realizado um inquérito à população pela Escola Nacional de Saúde Pública. Que resultados podem ser considerados para os profissionais de saúde mudarem a sua atuação? EA | O inquérito realizado pela ENSP mostrou que a população geral reconhece os rins, mas não associa à doença renal crónica. Assim, compete aos cuidados de saúde primários alertar a população para a necessidade de identificar os fatores de risco e corrigi-los para que não tenham oportunidade de gerar lesão renal. NC | As pessoas com diabetes têm maior risco de terem doença renal crónica. Como os profissionais de saúde podem aumentar a literacia da população sobre este tema? EA | Todos os profissionais de saúde devem estar alertados para o risco de doença renal crónica nas pessoas com diabetes à semelhança do que fazem para a retinopatia diabética ou para a doença vascular periférica/pé diabético. Este alerta deve ser refletido em atitudes proativas na identificação da lesão renal nomeadamente pela avaliação regular da albuminúria e da função renal. NC | Que mensagem gostaria de deixar para os especialistas em saúde de alerta para os sintomas e alterações a ter em conta. EA | A doença renal crónica é um problema que vai ser ainda mais importante nos próximos anos. A sua natureza silenciosa e insidiosa faz que, com frequência, seja pouco valorizada ou, até, negligenciada. Compete aos médicos reconhecer a doença renal, promover rastreios em populações de maior risco, promover medidas de nefroproteção e, em determinadas circunstâncias, referenciar a uma consulta de Nefrologia.