NefroConnect - Impacto da COVID-19 nas Unidades de Hemodiálise em Portugal

"As Unidades de Hemodiálise adaptaram-se à COVID-19, minimizaram o seu impacto nos doentes renais e aprenderam a lidar com mais um vírus que veio para ficar na nossa população." Quem o afirma é a Dr.ª Ana Galvão, nefrologista no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e coordenadora nacional do Gabinete de Registo de Doença Renal Crónica, da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, no âmbito da sua apresentação "Incidência, morbilidade e mortalidade", inserido na sessão "Prevenção e impacto da COVID-19 nas Unidades de Hemodiálise: o que aprendemos para enfrentar futuras pandemias", do XXIV Simpósio Anual de Doenças Renais. Em janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sinalizou a emergência de um surto de um novo coronavírus na China e rapidamente, em março de 2020, esta emergência de saúde pública transformou-se em interesse internacional declarando-se o estado de pandemia da doença do coronavírus de 2019 (Coronavirus Desease 2019 – COVID-19). A Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN) em conjunto com a Comissão Nacional de Apoio à Diálise (CNAD) entraram de imediato em alerta de forma a implementar precocemente medidas de proteção para com os doentes em hemodiálise. Trata-se de uma população com risco elevado da doença e de mortalidade, dada a idade avançada e as múltiplas comorbilidades associadas à própria doença renal. O Gabinete de Registo da doença renal crónica da SPN enviou inquéritos a todas as Unidades de Hemodiálise (Hospitalares e periféricas) e conseguiu obter 99 % de respostas de forma a ter dados agregados sobre a incidência, letalidade e mortalidade da COVID-19 nos doentes em hemodiálise. Este registo foi efetuado durante os dois primeiros anos de pandemia, 2020 e 2021. O 1.º ano foi o ano da incerteza e da dúvida em relação às possíveis consequências da COVID-19 e o 2.º ano teve importância por ter sido o ano da vacinação. Em Portugal, a incidência da COVID-19 na população global foi de 4 % em 2020 e 9,6 % em 2021. Na população de doentes em hemodiálise, foi obtida uma incidência de 8 % em 2020 (1000 casos) e 12,1 % em 2021 (1505 casos), acompanhando o aumento da incidência na população global. Relativamente ao tratamento efetuado a estes doentes, foi apurado que, em 2020, mais de metade (52,8 %) foi tratado em ambulatório, sem necessidade de cuidados de internamento e 5,3 % necessitou de internamento em Unidades de Cuidados Intensivos. Em 2021, a percentagem de doentes tratada em ambulatório subiu para 68 % e apenas 4,2 % necessitou de cuidados intensivos. O ano de 2021, por ter sido o ano da vacinação, foi dividido no inquérito em dois semestres, onde se verificaram algumas diferenças importantes pois no primeiro semestre apenas 19 % dos dentes infetados pelo vírus tinha, pelo menos, duas doses da vacina, enquanto, no 2.º semestre, já 58 % dos doentes infetados tinha duas doses da vacina. Assim no 1.º semestre foram apurados 65 % dos doentes tratados em ambulatório e, no 2.º semestre, a percentagem subiu para 74 %. Quanto à letalidade da COVID-19, sabemos que, em 2020, a letalidade a nível nacional foi de 1,6 % e, em 2021, diminuiu para 1,3 %. Na população em hemodiálise, seria de esperar uma letalidade mais elevada pois estamos a falar de um grupo de doentes renais, com idade avançada e múltiplas comorbilidades associadas. Assim foi obtida uma letalidade de 14,3 % em 2020 e esta diminuiu para 12,4 % em 2021, sendo que, no 1.º semestre, foi de 14,8 % e no 2.º semestre apenas de 7,7 %. A COVID-19 trouxe o seu impacto na mortalidade global dos doentes em hemodiálise. 8,3 % e 11,2 % do total de mortes foram atribuídas à COVID-19 em 2020 e 2021 respetivamente. No final de 2021, através deste inquérito de registo, conseguiu-se também apurar que grande parte da população em hemodiálise se encontrava vacinada contra a COVID-19, 73 % com as três doses de vacina e apenas 1 % da população não tinha ainda a vacinação feita. Quando olhamos para registos da COVID-19 na população em hemodiálise noutros países, nomeadamente europeus, verificamos que Portugal conseguiu percentagens baixas de incidência e uma baixa letalidade, sobretudo se nos focarmos no 2.º semestre de 2021, onde a maioria dos doentes não necessitou de cuidados hospitalares e a letalidade foi apenas de 7 %. Vários fatores podem justificar estes resultados, no entanto, a vacinação iniciada em massa a todos os doentes em hemodialise no 1.º semestre de 2021 foi um dos que mais terá contribuído. Por responder ficam ainda algumas questões como, saber a origem dos casos de infeção (hospitalar? Unidade de diálise? Comunidade? Instituição?), saber se a morte atribuída à COVID foi uma morte “por” COVID ou “com” COVID, e uma melhor caracterização dos doentes falecidos. Em suma, as Unidades de Hemodiálise adaptaram-se à COVID-19, minimizaram o seu impacto nos doentes renais e aprenderam a lidar com mais um vírus que veio para ficar na nossa população.